segunda-feira, 6 de outubro de 2008

06 de Outubro de 1904

As horas aqui na Marechal Deodoro, centro de Pelotas, parecem passar rapidamente, porém, não acontece o mesmo dentro das quatro paredes do meu quarto. Hoje a negrinha entrou em meu quarto, fazia dois dias que não a via. A prendi por alguns instantes, perguntando o que se passava na cidade. Ela dizia que a cidade fluia normalmente, crescia aos poucos, enriquecia. Mas na realidade, nada disso me importava. Perguntei à ela sobre os descendentes de Bento, mas ela nada sabia deles. Eram muitos pela cidade. Perguntei também sobre Antônio Gutierrez, filho de Matias Gutierrez, que por sua vez era filho de João Gutierrez, esposo de Mariana. A negrinha não sabia onde estava. Depois que herdara sua charqueada em Camaquã, sumira de vista. E eu mesma sabia, jamais tornaria a vê-lo.
A vida é assim. Temos sentimentos e premonições. Bueno, sei que jamais tornarei a ver nenhum daqueles que partilharam a estância nos tempos da guerra, todos já se foram. E eu sou a mais velha, não há nenhuma história mais que eu possa ouvir, e ninguém quer ouvir as minhas histórias. Os descendentes de Bento estão por aí, mas nenhum deles me visita, ou sequer deseja ouvir uma de minhas histórias. Matias gostava. Matias gostava de me ouvir contar sobre as aventuras de Giuseppe Garibaldi. Matias que sofreu desilusões após voltar da guerra do Paraguai. Matias que agora se encontra abaixo da terra.

Hoje me olhei no espelho, coisa que não fazia hà semanas. Vi no lugar onde estiveram belos fios pretos, cabelos grisalhos e fracos. Porém, os olhos azuis profundos ainda estão a me deixar essa última beleza de minha vida frágil. Olhos guapos estes que Anita não possuira. Por mais bela que fosse, estes belos olhos claros ela não possuira.

E então, hoje, vi o sol poente. O sol poente indo em direção ao ocidente, deixando atrás de si uma rota de seda alaranjada. Os raios que transpassavam as nuvens formavam figuras divinais nos campos ao longo dos pampas. E a minh'alma renascendo, mais feliz desta vez. No alto de meus 84 anos senti o renovar de esperanças dentro de mim. Uma paz profunda, por tanto tempo desejada. Nada hoje mais importava para mim. Apenas o sol longínquo, intocável, e a brisa que as janelas, antes emperradas e agora abertas, traziam para dentro de meu quarto, e deixavam meus cabelos grisalhos e velhos ao sabor do vento noturno.

6 comentários:

D8N3 disse...

muito bom o seu texto!
(:

Lucas P disse...

Legall..
Gostei muito do layout do seu blog..
Abraços..

Petsha disse...

Muito bom o texto!!!
Nossa, apesar dela se sentir mais aliviada, essa obsessão dela em se comparar a Anita não é nada saudavel. ._.... fico imaginando se em minha velhice vou ficar me comparando comigo quando mais nova

Bjs, continue escrevendo

Murillo Leal disse...

Bela descrição historica!

PArabens

http://murilloleal.blogspot.com/

Unknown disse...

linda história amo Manuela

Unknown disse...

Td oq ela diz no diário se passou exatamente igual na minissérie da Globo, assisti tds os capítulos, é uma riqueza d detalhes,
Pena que ela viveu tds os dias d sua vida nessa angústia, nas lembranças, e amarrada nesse amor q nunca mais voltou
A imagem q ela me passa é d uma mulher q foi incapaz d ser feliz atormentada pelo arrependimento d deixa q outra mulher vivesse esse amor no lugar dela
A descrição é d uma mulher sem planos sem futuro, sem sonhos, d apenas vive por obrigação