sábado, 4 de outubro de 2008

04 de Outubro de 1904

O dia hoje está calmo. Lá fora, as estrelas cintilantes dançam ao redor de uma lua cheia, perfeita, encantadora. Olha as formas da lua cheia, sua feição, seus desenhos. Don'Ana sempre dizia que eu possuia um olhar aguçado. A luz prateada que a lua emana é bela, perfeita. Ilumina os pássaros noturnos que vagueiam pela noite.
Hoje, quatro de outubro, faz 68 anos que meu tio, Bento Gonçalves da Silva foi preso no combate da Ilha do Fanfa, durante a Guerra dos Farrapos. Depois desse episódio, ficamos sem o ver durante muito tempo. Esse dia maldito, que me fez perder a minha vida inteira. Diário, vou le contar a história:
Quatro de Outubro de 1836. Bento Gonçalves da Silva, o maior revolucionário que nosso povo já viu, lidera mais uma vez uma batalha contra os caramurus. Foi a famosa Batalha do Fanfa. Porém, lá foi preso quando os farroupilhas estavam em desvantagem, e foi mandando para a Corte, e depois encarcerado no Rio de Janeiro. Foi lá, no RIo de Janeiro, dentro da sua cela, que conheceu um estrangeiro que fora exilado de sua terra, e cujo nome era Giuseppe Garibaldi. O meu Giuseppe. E então, depois de le contar sobre a guerra que estava ocorrendo no sul, uma guerra feita para a liberdade de um povo, Giuseppe seguiu para o Rio Grande do Sul. E eu sabia. Sempre soube. Eu o via, em meus sonhos e visões, durante toda a sua viagem. Sabia que cada vez estava mais perto. Porém, não conhecia seu rosto, que se revelou extremamente belo quando se apresentou na casa de Don'Ana. E na hora ele também soube: eu o amava, sem nem ao menos conhece-lo.
Bueno, tio Bento acabou sendo mandado para um Forte na Bahia, muito longe do Rio Grande, um Forte da onde ninguém nunca havia fugido. Porém, com ajuda de alguns irmãos da maçonaria, ele conseguiu despistar os seguranças do Forte e fugiu. Fugiu para terminar o que havia começado. E, ao chegar na nossa terra, soube que o haviam escolhido presidente. Presidente de um povo. De uma nação.
Tio Bento sempre foi um homem inestimável, corajoso e forte. Porém, não deixava de ser um bom marido para Caetana e um bom pai para seus oito filhos. Oito filhos e filhas, que o amavam. Filhos estes que pelejaram quando precisava, herdando assim o espírito de guerreiro e herói do pai. Filhas estas que tiveram tantos filhos quanto sua mãe, e deixaram para muitas pessoas a honra de ter uma descendência única e honrada. Descendentes estes que vivem por ai, até hoje.

Sinto saudades daqueles tempos. Mas é errado dizer isso. Todos dizem que os tempos bons para guardar nas lembranças e memórias são os tempos de paz. E, naquela época, os tempos não eram de paz. Pessoas morriam e matavam. O sangue vermelho pintava as paisagens dos pampas. As mulheres choravam a perda de seus maridos e filhos. E eu era feliz, por que ao menos tinha Giuseppe. E quando ele se foi, as suas lembranças nítidas me faziam viver. Hoje, as lembranças estão embaçadas. Já as imaginei centenas de formas diferentes, em situações diferentes, de maneiras e diálogos diferentes. Mas a realidade é que nem ao menos me lembro de sua voz, como ela era realmente. Por mais que ele me sussurre todas as noites nos meus sonhos, não me lembro da sua verdadeira voz. Nem do seu jeito de olhar. Nem de suas maneiras. Apenas me lembro de seus olhares, e do gosto de sua boca. Suas mãos tocando em minha cintura, o calor do seu corpo no meu. Apenas isso. Nada mais.
Além do mais, naquela época eu tinha minhas primas e minhas irmãs. Rosário, Perpétua, Mariana. Todas elas tiveram um final feliz. Morreram jovens, porém felizes. E contituíram família. Menos Rosário, que entregou sua vida para viver na eternidade com seu caramuru.
E eu aqui, adentrando cada vez mais na velhice. Na velhice de minha vida, de minh'alma. Em um sobrado em Pelotas, vendo o tempo passar diante de meus olhos. Por isso nunca faço planos para o amanhã, pois pode não existir o amanhã. Por isso vivo minha vida pacata, medíocre e desoladamente. Pois amanhã posso não estar mais entre os vivos. Amanhã posso estar nos braços do meu Giuseppe, em um lugar chamado Eternidade.

13 comentários:

Adm disse...

Nossa que historia!!romance lindooo

Quase chorei aqui!!
"E na hora ele também soube: eu o amava, sem nem ao menos conhece-lo."forte demais

parabens pelo blog obrigado por e proporcionar uma leitura tao bela
sucesso!!

Adm disse...

ola voltei denovo!!
mas comentar mais o que??
hum...
desejo a vc um otimo final de semana!!
bjs

Mariana disse...

nossa, que legal essa história!! Gostei bastante.
Vou ler seus textos sempre que puder :)
E obrigada pelo comentário no meu blog.
Beijão

Lucas Oliveira disse...

belo romance, hein?

demais...

escreves muito bem!

abçs

Lucas de Oliveira

Unknown disse...

Bento Gonçalves...um patrono...grande homem...
Parabéns pelo post.
Nós brasileiros temos a memória fraca, temos que resgatar a história, tivemos e temos grandes homens que devem ser lembrados sempre.
Abraços

Anônimo disse...

Gosto muito dessas histórias de Manuela, mas tenho uma dúvida: ela realmente viveu na estância com os parentes durante a guerra? E onde fica a verdadeira estância onde ela e os parentes viveram? (o livro "A Casa das Sete Mulheres" nos faz confundir muito o que é verdade e o que é criação da autora)

Unknown disse...

Preciso saber por favor onde encontro mais sobre os diarios de Manuela , por favor me ajude.

Unknown disse...

Elizandra
Uma dúvida, como pode haver escritos de Manuela em 1904, a data de sua morte 1903?

BMKLl disse...

Choro horrores com essa triste história de Manuela

Unknown disse...

Merlin Delgado ,
Pienso que sería maravilloso poder leer los escritos originales por Manuela , pero La Casa de Las Siete Mujeres marcó mi vida oara siempre , pués la interpretación de Manuela y Anita , sus encuentros fueron auténticos como lo sería en la vida real , una aunque no lo confiese , puede llegar a desear la muerte del rival , tal como le sucedió a Manuela...Es y siempre será la novela brasileña más linda que he visto y ya tengo 40 años y la vi apenas siendo una niña

Unknown disse...

la novela

Unknown disse...

Disculpen la traducción, no es jabón brasileño , es novela brasileña

Unknown disse...

Gostaria muito de visitar os locais onde houve a revolução e deixar flores sobre o local dos sepultamento dessas pessoas e um dia visitar o local onde Manuela vivera